terça-feira, 31 de agosto de 2010

A chave


Numa das primeiras cenas de A Chave, de Tinto Brass, vemos, uma vagina no lugar de uma câmera fotográfica. Parece ser uma piada, porque esta vagina não está olhando, ela é olhada. É uma imagem rápida, fugaz até.

Nino Rolfe, o protagonista, não obtém de sua esposa, o sexo e o desejo de sexo que o satisfaria, muito embora ele tente sempre produzir situações que gerem imagens eróticas dela, para conseguir ao menos vivenciar um desejo solitário. Numa cena de A Chave, vemos o quanto as coisas estão fora dos eixos, quando Nino observa as ruas e casas da cidade com uma luneta e se depara com uma imagem de sexo enxertada no filme.

A chave na verdade é o objeto para abrir uma gaveta que guarda imagens, num diário, num mundo de palavras repleto de imagens. Estaria Tinto Brass entendendo que, para recuperar imagens e situações para imagens (eróticas) é preciso voltar ao estágio da palavra?

Talvez. Sobretudo porque este diário e, um pouco depois, o de Teresa, provocam situações em que a imagem é pura. Quando a chave é esquecida, a grafia toma lugar, pois é preciso sempre um outro para ser alvo do desejo do desejo. É justamente quando aparece Laszlo, pretendente da filha do casal, Lisa, para tentar dar o desejo finalmente à produção (gráfica) de imagens. Ao emprestar sua máquina fotográfica a Nino, Laszlo está satisfazendo, ainda que indiretamente e sem saber, ao seu próprio prazer, porque essa máquina é tudo, mas certamente, mais do que tudo, é o oposto de uma vagina. Ela funciona com Laszlo simplesmente porque ele não tem conhecimento algum dos diários – e funciona com Teresa certamente porque temos que ver frustradas todas as tentativas de sexo entre ela e Lazslo, já que sexo não veremos nunca. A produção dessa imagem é uma procura tão intensa que a Nino, a princípio (e dentro da velha ambiguidade do voyeur: ele entrega as fotos da esposa nua para Lazslo), não interessa se essa imagem vá destruí-lo por completo a partir da traição de sua esposa frígida com seu quase futuro genro.

O seu aforisma sobre sexo e casamento já é totalmente negado pelo seu rosto, que deixa revelar sim um baita blefe, uma baita sacanagem. Por fim, sua figura vestida de mulher, de calcinha, sutiã e meia-calça é a pura imagem do assombro e da degradação – ou do fracasso total nessa busca por imagens. Não é por acaso que Tinto Brass faça seu personagem ficar doente logo após esta cena de roupa íntima feminina e dê a A Chave um clima de doença, afinal, estamos no meio do colapso (de Nino, do mundo). Para ele, o mundo não sobrevive sem uma imagem erótica para ligar o desejo. É lógico que, em consequência, o Homem também não sobreviverá a essa ausência. Em todo caso, sem imagens estamos todos mortos.

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