quarta-feira, 9 de março de 2011

O perfume - A história de um assassino

Baseado num romance de Patrick Suskind, é uma fantasia sensual e desconcertante sobre obsessões, bem ao gosto do diretor que possui um apreço por histórias em que os personagens se envolvem em situações onde o acaso e a magia alteram seus destinos. Não é um filme comercial e deverá encontrar seu público mais entre fãs de cinema.

Jean-Baptiste Grenouille nasce em meio a um pútrido mercado de peixe na decadente Paris do século 18 e são os odores terríveis do local que o fazem chorar, acordando para a vida da maneira mais estranha possível, o que dá o tom do resto do filme. Ele possui um olfato apuradíssimo, algo que o afasta do resto da humanidade e que também o mantém vivo durante sua difícil e solitária existência, mas o diabo dá um dom e cobra um preço: Essa habilidade o leva ao seu primeiro crime. Ao ficar fascinado pelo cheiro de uma mulher, ele acaba matando-a acidentalmente e a medida que o perfume dela se esvai com sua vida, ele encontra um objetivo que é descobrir como capturar a essência das coisas para sempre. É o ponto de partida de sua jornada, levado literalmente pelo nariz.

É um filme longo mas sempre surpreendente, dividido em diversos segmentos que contam com a participações especialíssimas de Dustin Hoffman, como o divertido mestre perfumeiro Baldini, mentor de Grenouille e Alan Rickman como o astuto Antoine Richis, que se torna seu principal rival. Aliás, o único momento em que o filme parece tomar um rumo mais clichê é durante a investigação que Richis inicia, mas a conclusão dela é totalmente imprevisível e surrealista, bem ao modo do início da trama. Ben Whishaw, no papel principal, vai de insignificante e repulsivo como um inseto a fascinante, misterioso e inocente, com apenas olhares e gestos, numa interpretação com poucas falas que, apesar dos atos imorais de assassinato que ele executa com frieza, o tornam um anti-herói cativante.

O livro de Suskind, considerado infilmável, já havia passado nas mãos de Kubrick e Scorsese e Tykwer fez um excelente trabalho, colocando todo o seu estilo a serviço da história, com montagem ágil e câmeras em super-close, ele consegue transmitir ao espectador o mundo de sensações vividas por Grenouille, além de manter intactas as metáforas e temas presentes. Visualmente belíssimo, a primorosa direção de arte recria a imundície da Paris do século 18, em contraste com a bucólica região de Grasse, a Meca dos perfumes. Notável também a trilha sonora composta, complementando sem se tornar onipresente.

Após uma primeira metade quase perfeita, o filme dá uma queda na estada de Grenouille em Grasse. A execução de seu plano e sua relação com os patrões da fazenda é tratada com uma certa pressa, o que quebra o ritmo fluido do começo do filme. A atuação de Dustin Hoffman é um tanto caricata, mas o que pode dividir opiniões é o final, inesperado mas dentro do tom do resto do filme, carregado de simbolismo e arrebatador como fechamento.

O diretor pôde usar toda a sua paixão pelo gênero do horror (os vermes devorando um rato e a feira de peixes). Beleza e feiúra andam de mãos dadas, pelo menos para Tykwer, ele junta em uma mesma seqüência os dois sentimentos. Grenouille cheira um rato morto igual cheira a um perfume, mas a sua expressão de felicidade transforma o ato de sentir belo, mesmo algo repugnante como o suor e o já citado rato. A câmera passeia pelas descobertas que são feitas pelo perfumista, ao sentir pedras, águas, sapos e ervas.

Perfume pode causar uma certa estranheza em algumas pessoas, principalmente, as que vão assistí-lo achando que se trata de um filme de assassinatos ou sobre perfumes. O que vale mesmo é a experiência visual, as descobertas e a busca pelo amor. Busca essa incansável por Tom Tykwer e frustrante de Jean-Baptiste Grenouille.

Vários filmes tentam ser "contos de fadas para adultos" e esse sem dúvida é um deles. Da narração de John Hurt, ao realismo-mágico da história, é um trabalho difícil de categorizar. Perfume é tudo menos convencional, é cinema na melhor forma.

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