sábado, 18 de setembro de 2010

Antes da chuva

O céu estrelado, que abre a primeira das três histórias narradas por Milcho Manchevski, é tão belo que parece um efeito especial, mas li que o céu da Macedônia, uma das repúblicas que compunham a antiga Iugoslávia. Lá foi filmada uma parte de "Casino Royale".

Na primeira história, um noviço acolhe num convento bizantino um garoto que, na verdade, é garota. Na segunda, as fotos desse primeiro casal vão parar em Londres, onde uma mulher se envolve com um fotógrafo da Macedônia. Na terceira, o fotógrafo volta aos montes de sua terra.

Nas três histórias, Manchevski fala dos efeitos da guerra na vida das pessoas inocentes, porém, o filme não é sobre a destruição. Ele mostra a guerra sem tomar partido porque seu tema é a responsabilidade. Em Londres, a câmera passa por um grafite rabiscado numa parede: "Lar é o lugar onde está o coração."

Palavras de irmão Marko: "O tempo não pára, o círculo não é redondo". A sentença formalmente "abre" e "fecha" a narrativa elípitica de Antes da Chuva, mas de verdade a faz (re)circular e desdobrar-se sobre si mesma. Não a circularidade fechada e idêntica que se encerra no ciclo invariável da vida e da morte, gênese e apocalipse, mas a volta aberta, que perfaz seu traço no intervalo entre o tempo histórico e primitivo, que a cada rodada gera diferentes linhas narrativas. Instigado a se desinstalar da lógica linear, o espectador encontra uma rosa louca dos ventos, que não pára quando chegada a última cena.

Na estrutura poética descortina-se uma prodigiosidade de metáforas cíclicas: o ciclo da chuva, da plantação, da guerra,da vida e da morte, da lua e do sol e o ciclo da narrativa,que nunca se fecha. Como se o conteúdo mimetizasse a forma, O filme é permeado pela simbologia dos triângulos: três amores (Aleks e Anne, Aleks e Hana, Kiril e Zamira) , três idiomas principais (macedônio, albanês e inglês), três países (Inglaterra, Macedônia e a Bósnia, como espaço fílmico virtualmente e fotograficamente sugerido), três posições étnico-religiosas (albaneses-muçulmanos, macedônios-cristãos-ortodoxos e um macedônio ateu).

A música imita Cazuza e diz que o tempo não pára ou, mais exatamente, que ele não volta. O tempo pode não voltar, mas a estrutura circular do filme, sim, pois se fecha, harmonicamente.

A estética do filme, sua beleza, é indiscutível. Mas a questão ética, a discussão sobre a responsabilidade, primordiais.


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