sábado, 3 de setembro de 2011

O museu da inocência



Foram as 562 páginas mais cheias de expextativas que já li.
Eu, que já tinha adorado "Neve", fiquei fascinado de vez com a narrativa de Pamuk.
O livro fala do amor de um homem sobrevivendo ao tempo, mas a obra não é apenas isso. O livro oferece possibilidades variadas de leitura.
Através do texto somos levados à Istambul da década de 70, conhecendo o protagonista e narrador da história, Kemal. Um homem de 30 anos, rico, feliz e noivo de uma mulher da sociedade, tendo um futuro promissor. Uma vida perfeita, embora não seja nesse momento que ele reconheça a própria felicidade. O que o narrador nos confidencia é que ele nunca fora mais feliz do que em uma tarde passada com a amante, uma prima distante chamada Füsun, que reencontra por acaso mas que nunca mais sai de sua vida.
O interessante na narrativa sobre o amor desses personagens é que Pamuk utiliza o recurso de flashforward, seguindo uma narrativa linear, da década de 70 até o fim da década de 90, em alguns momentos fazendo saltos para o futuro.
Além disso, há um relato das mudanças pelas quais a Turquia passou ao longo dos anos, de um tempo em que o sexo antes do casamento ainda era visto como costume “europeu” e “moderno”, até os dias mais atuais, quando as ruas e prédios pelos quais o personagem andara não mais existiam. Essa marcação do tempo, a surpresa diante das mudanças, o descompasso de quem está tão apegado às memórias que não vê o futuro chegando, aparece a todo momento na história.
A memória é peça-chave, porque é a partir dela que o personagem consegue por muitos anos o seu contato com Füsun, e manter vivo o amor (ou obsessão) que sentia por ela. É a mesma coisa que nos faz guardar uma carta de um antigo amor, a foto de algum lugar que visitamos ou o canhoto de uma apresentação de teatro em especial. Mas no exagero de Kemal, tantos objetos são recolhidos que próximo ao fim ele resolve fazer o Museu da Inocência, para manter viva a memória de sua amada.
É curioso o momento em que Kemal passa a ficar obcecado por museus. No que era uma pesquisa para criar seu próprio museu, é possível dizer que o personagem desenvolve uma nova paixão. E da necessidade de catalogar os itens e contar as histórias dele, Kemal pede ajuda do escritor Orhan Pamuk para contar seu amor, num inteligente uso da metalinguagem.
Nisso, temos um texto com duas vozes. A maior parte do tempo domina o narrador-protagonista Kemal (curioso ler o personagem queixando-se da escolha do autor pela narração em primeira pessoa, a partir do ponto de vista de Kemal), mas mais para o fim ele diz adeus e então Pamuk se apresenta, e assume o resto da narrativa como um narrador-personagem, que investiga a história de Kemal buscando outros pontos de vista.
É um romance lindo porque o protagonista, obsessivo com relação ao amor, ainda assim consegue, através de metáforas e comparações, fazer dele um personagem bastante comum e crível. Impossível não se reconhecer em algumas nuances das personalidades de Kemal, e compreender o personagem, especialmente quando no belíssimo desfecho ele garante ao leitor: "Que todo mundo saiba que tive uma vida muito feliz."
Livro espetacular!
Há, e a capa do livro é perfeita...

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