Ladrões de Bicicleta, de 1948, está para o neo-realismo italiano como “2001 – Uma Odisséia no Espaço” para a ficção científica, ou como “À Beira do Abismo” para o filme noir, ou ainda como “Rastros de Ódio” para o faroeste. É o filme mais importante dentro de seu gênero. Embora não seja o inventor do neo-realismo, certamente foi a obra que melhor sintetizou os elementos do gênero, transformando-se em paradigma para tudo o que veio depois. Continua, até hoje, o título mais lembrado quando se fala de neo-realismo italiano.
Para entender essa fama, é preciso contextualizá-lo. Em 1948, a Europa vivia uma fase de renascimento e efervescência cultural, mas também convivia com a fome e a miséria absoluta. As duas coisas eram conseqüências diretas da II Guerra Mundial, que havia terminado em 1945, com o continente inteiramente devastado. O cinema neo-realista, que sempre se pautou por uma narrativa mais seca e concisa, tentava reproduzir a realidade sem floreá-la. Isso significava o uso de técnicas quase documentais, bem como a utilização de atores amadores.
A produção de Vittorio De Sica foi uma consagração completa de crítica e público. Além de se tornar o longa mais visto na Itália em 1948, também entrou direto no topo das listas de grandes filmes da história, em quase todas as listas realizadas por publicações de prestígio. O filme foi tão influente que levou vários preceitos neo-realistas para dentro da indústria cinematográfica norte-americana, pondo um pé no freio das narrativas cada vez mais sonhadoras e escapistas produzidas na Meca do cinema. Mesmo décadas depois, em condições históricas muito diferentes, continua um filme muito moderno, ágil e rápido.
É interessante vê-lo com os olhos de hoje, porque apesar de carregar o rótulo de realista, ele não parece exatamente assim. A edição utiliza trilha sonora com abundância, e a música é um elemento evitado por todos os filmes contemporâneos que seguem uma veia mais naturalista. Isto é algo que acontece por uma razão simples: a vida real não tem trilha sonora. Se não dá para ter certeza, podemos pelo menos apenas supor que De Sica usou música porque não fazê-lo seria romper de forma tão radical com a tradição narrativa do cinema clássico que isso afastaria o público.
Outro detalhe que impede o filme de exalar um realismo cru é a fotografia, já que as câmeras se movem de forma 100% profissional e elegante. O filme valoriza composições bem elaboradas, inclusive com utilização abundante da profundidade de campo.
Por outro lado, há inovações importantes a considerar. O diretor evitou, por exemplo, o uso de close ups nos rostos dos atores, optando por filmar tudo em planos médios ou tomadas gerais, com a câmera posicionada bem longe da ação principal. Esta estratégia empresta ao filme uma estética bem mais sóbria e discreta do que o normal, pois sabemos que o close é um recurso utilizado para gerar emoção.
Por fim, é fundamental lembrar que Ladrões de Bicicleta alcança plenamente um dos ideais mais importantes do neo-realismo, que era criar um registro histórico fiel dos primeiros anos do pós-guerra. Isto é conseguido tanto do ponto de vista da produção quanto da narração, já que a história aborda com propriedade a situação sócio-econômica da Itália naqueles anos difíceis: o desemprego, a fome, a falta de dinheiro, a dificuldade de transporte, os recursos materiais finitos e suas conseqüências mais problemáticas, como o crescimento do crime. Tudo isso está encapsulado perfeitamente na história do homem pobre que persegue desesperadamente o sujeito que lhe roubou a bicicleta, instrumento sem o qual ele não pode trabalhar. Para completar, o final, com sua amarga ironia, é espetacular.
Assisti a primeira vez quando criança... Um clássico espetacular!
Nenhum comentário:
Postar um comentário