domingo, 23 de maio de 2010

Vazio


A noite é como um olhar longo e claro de mulher.
Sinto-me só.
Em todas as coisas que me rodeiam.
Há um desconhecimento completo da minha infelicidade.
A noite alta me espia pela janela
E eu, desamparado de tudo, desamparado de mim próprio,
Olho as coisas em torno
Com um desconhecimento completo das coisas que me rodeiam.
Vago em mim mesmo, sozinho, perdido
Tudo é deserto, minha alma é vazia
E tem o silêncio grave dos templos abandonados.
Eu espio a noite pela janela.
Ela tem a quietação maravilhosa do êxtase.
Mas os gatos embaixo me acordam gritando luxúrias
E eu penso que amanhã...
Mas a gata vê na rua um gato preto e grande
E foge do gato cinzento.
Eu espio a noite maravilhosa,
Estranha como um olhar de carne.
Vejo na grade o gato cinzento olhando os amores da gata e do gato preto.
Perco-me por momentos em antigas aventuras
E volto à alma vazia e silenciosa que não acorda mais.
Nem à noite clara e longa como um olhar de mulher,
Nem aos gritos luxuriosos dos gatos se amando na rua.

(Vinícius de Moraes)

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