Um trecho do Programa do Jô abre Lixo Extraordinário. Assim Vik Muniz é apresentado à plateia pela voz do senso comum que é a televisão. Aliás, isso se mostrou um interessante recurso narrativo, que permitiu substituir o off explicativo, por uma apresentação mais diegética daquele que parecia ser o personagem principal do documentário. Apenas parecia. Logo percebemos que o personagem principal são as pessoas que separam o lixo do maior aterro sanitário do mundo.
Todo artista passa pelo processo de procurar sua técnica e, enquanto estava no meio da contrução de uma Mona Lisa com catchup, entre outros exercícios, Muniz tornou-se famoso sem criar uma obra que fosse conceitualmente sua - sintoma dos tais 15 minutos de fama previstos por Andy Warhol, cujas obras também ganharam releituras de Muniz. Foi na série de fotografias Crianças do Açúcar, em que fotografou filhos de cortadores de cana-de-açúcar no Caribe, que ele passou a fazer arte de cunho social.
Muniz decidiu então explorar as possibilidades do Jardim Gramacho, bairro do município de Duque de Caxias, região metropolitana do Rio de Janeiro, que abriga o maior aterro sanitário da América Latina. Seu objetivo era fotografar cenas do lixão e reconstruí-las com o material reciclado coletado pelos catadores. Ele só não imaginava que acabaria se envolvendo tanto com a comunidade local.
Conhecer as pessoas que trabalham no lixão é um dos pontos mais interessantes do documentário. É a partir dali que aquelas pessoas observam o mundo. Classificam o que é lixo de rico e lixo de pobre, imaginam uma pessoa com base na sua mala-direta e têm acesso à literatura de peso e passam a criar suas próprias interpretações - "Ah, Nietzsche era um cara que tinha uma filosofia muito maneira", explica Tião, presidente da Associação dos Catadores do Jardim Gramacho.
À medida que os catadores passam a fazer parte do processo de criação de Muniz fica evidente que não há como sair inalterado do encontro com outros modos de vida e com a arte. É o choque pós-moderno da casta marginalizada com o artista best-seller, como se estivessem saindo da caverna pela primeira vez.
Caridade à parte, a cineasta Lucy Walker foi muito feliz em focar o documentário naqueles que são o objeto da obra, humanizando um filme sobre arte. É a espontaneidade daquelas pessoas que salva Lixo Extraordinário, pensado comercialmente para o exterior e narrado por Muniz em inglês, idioma que prevalece também nas conversas com sua esposa e seu assessor, todos brasileiros. E, sem entrar no mérito da arte de Vik Muniz, os enquadramentos pensados pelo artista conseguem encontrar no lixão sua beleza.
É para ver, pensar e se emocionar.
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