Como um bom filme inglês, temos um período histórico decisivo para o país tratado com toda a pompa e circunstância. O rei George VI assume o trono após a desistência de seu irmão, e, gago, teme realizar os discursos direcionados à sua nação. Uma premissa como essa poderia não ser valorizada em dias atuais, logo, o roteiro faz questão de contextualizar a importância da fala de um rei diante do advento do rádio e, principalmente, da iminência da Segunda Guerra Mundial.
Pelo tema sisudo e roteiro centrado em diálogos, O Discurso do Rei daria um filme classicista, não fosse o uso extremamente competente da linguagem cinematográfica para ajudar a contar as aflições do rei Albert. O diretor conta com uma direção de fotografia que enquadra o protagonista sempre nos cantos, em planos frontais, mas que beiram milimetricamente o plongée (de cima para baixo). O desequilíbrio cria uma sensação de desconforto, evidenciando o sentimento de inadequação do monarca.
A câmera funciona igualmente bem para o outro lado da moeda, Lionel Logue, um inadequado de outro tipo - fonoaudiólogo nada ortodoxo que tem a tarefa de ensinar Albert a expressar-se com clareza. O embate de ideias (e educações) é fundamental ao filme e o trabalho de Cohen, que compreende também excelentes sequências de plano e contraplano - que desfrutam do citado desequilíbrio -, participa dele com voz firme.
Alheios a tudo isso e focados em suas próprias tarefas, Colin Firth e Geoffrey Rush executam seus trabalhos de maneira inspirada. O primeiro dá ao rei a inconstância física e dualidade que o papel exige. Na vida íntima, com a esposa e filhas, surge terno e fala com fluidez reservada. Quando precisa desempenhar seu papel como nobre, porém, mantém a dignidade e o porte, mas gagueja de maneira dolorosa de assistir. Fica ainda mais evidente a qualidade do trabalho de Firth quando o vemos durante longas cenas ao lado de Geoffrey Rush. Lionel é um papel menos exigente - e Rush um ator dotado de mais recursos (sua internalização na cena do ensaio da coroação na catedral é brilhante) -, o que poderia enterrar um trabalho menos competente. Se atuar é a arte de reagir, Firth e Rush engajam-se em suas reações como ninguém.
Helena Bonham Carter, deixando de lado suas pesonagens estridentes, dedica-se a uma mulher normal. A atriz interpreta a esposa de Albert com interesse. O elo fraco é mesmo Timothy Spall. Ainda que excelente ator, ele dá um peso desnecessário às aparições de Winston Churchill. O inglês era, sim, uma figura que parecia saída de um desenho, mas Spall se entregou às caras e bocas na oportunidade de interpretá-lo. Ao menos sua participação é breve.
Hooper, o diretor, também é extremamente feliz na criação da atmosfera de ameaça vindoura da Segunda Guerra. O grande antagonista do filme é o microfone, mas o eloquente Adolf Hitler também faz rápida aparição. A cena em que o Rei Albert o observa discursando, franjinha em desalinho devido ao esforço teatral, é quase cômica. As proverbiais nuvens que prenunciam tempestades também surgem na forma de uma sequência na névoa distante, em que paciente e terapeuta brigam sob uma opressiva luz difusa.
Com o intuito de colher informações para escrever o filme, o roteirista contou que procurou a Rainha Mãe, morta em 2002, algumas décadas depois dos fatos. "Por favor, não o faça enquanto eu estiver viva. A memória desses eventos ainda é muito dolorosa", ela escreveu de volta.
Dolorosa ou não, a história não poderia ter sido contada de maneira mais elegante em O Discurso do Rei.
Filme magnífico!
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