Alguns homens nascem apenas para a guerra. Roberto Nascimento, o já icônico personagem vivido por Wagner Moura, é uma dessas pessoas. No final de “Tropa de Elite”, Nascimento fora abandonado por sua esposa grávida, o que lhe desmotivou da ideia de sair do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (BOPE) do Rio de Janeiro.
Esta sequência, tal qual o original, tem em seu leme o diretor José Padilha, que escreveu o roteiro do longa ao lado de Bráulio Mantovani. A dupla, de maneira inteligentíssima, traz um exercício de metalinguagem como pontapé inicial do filme. Após uma ação do BOPE no presídio de Bangu I, que trouxe graves repercussões políticas, os dois líderes do batalhão, o Coronel Nascimento e o Capitão Mathias tiveram “punições” diferentes. Nascimento foi elevado à posição de herói por sua resposta firme junto aos criminosos, assumindo o cargo de Subsecretário de Segurança Pública. Já Mathias é usado como bode expiatório pelo governo e expulso em desonra do BOPE.
Na posição ideal para conseguir travar sua luta contra o tráfico de drogas, Nascimento descobre que a situação não é tão simples quanto ele pensava, percebendo que as raízes da corrupção são bem mais profundas do que meros policiais subornados por traficantes. Além de encarar um inimigo que parece ser onipotente, o Coronel ainda tem de encarar a própria solidão, encontrando-se afastado do filho e vendo sua família sendo chefiada pelo ativista político Fraga, seu maior crítico público. Os desafios enfrentados por Nascimento convergem de maneira explosiva em um conflito que mudará toda a percepção de realidade do personagem.
Interessante notar que Padilha pega todas as crenças e certezas que Nascimento tinha no primeiro filme e as desconstrói de maneira brilhante aqui. Em dado momento, Nascimento imagina as consequências de seu plano para a segurança pública, apenas para depois compreendermos, com a ajuda do próprio personagem, que nada do que fora planejado realmente aconteceu. Deste modo, a continuação não funciona apenas como um mero desdobramento dos temas propostos na primeira fita, mas como uma evolução daquele longa, mostrando que a resposta meramente coerciva para o problema da violência funciona tão bem quanto um band-aid para uma perna gangrenada.
A produção é tão sutil quanto um rolo compressor ao mostrar algumas de suas facetas. Sua violência é tão explícita quanto a hipocrisia política de seus “vilões”, sendo difícil saber qual das duas provoca mais revolta e asco junto a nós. Em um momento catártico, Nascimento surra sem dó ou piedade um político corrupto. Essa falta de sutileza merece ser saudada, pois a fita transmite, sem dourar a pílula, quão grave e assustadora é a situação nada fictícia que é mostrada.
O elenco é simplesmente magnífico. Wagner Moura entrega uma performance arrebatadora, com o Coronel Nascimento revelando a cada instante sua frustração perante seu verdadeiro inimigo. Ora, Nascimento é um homem que nasceu para a luta, tanto que os momentos de ternura e de diálogo que possui junto ao filho são em um tatame de jiu-jítsu. Colocá-lo em meio ao território inimigo completamente fora de seu terreno de ação foi crucial para nos mostrar um lado mais frágil daquele homem e fazê-lo rever suas crenças.
Enquanto no primeiro longa o Nascimento que víamos na farda preta era um leão altivo, cujos conflitos psicológicos irromperam quando da gravidez de sua esposa, todas as cenas que retratam o personagem de terno e gravata nesta continuação, mostram um homem apequenado, embora não pare de lutar contra a sujeira ao seu redor, algo retratado por Moura na postura física de seu personagem e do cansaço em sua voz. A evolução de Nascimento dialoga diretamente com o clássico policial “Serpico”, inclusive na desconstrução de crenças dos protagonistas de cada produção.
Irandhir Santos foi um verdadeiro achado para o papel de Fraga. Com um personagem tão forte quanto Nascimento do outro lado do espectro, seria muito fácil transformar um ativista social em uma figura caricata, mas Fraga vai além de ser apenas um contraponto inteligente ao Coronel. O respeito mútuo que nasce entre os dois homens também advém de um arco narrativo que é bem explorado para apresentar diferentes camadas ao seu personagem, como o ciúme que sente de sua família.
André Ramiro aparece pouco, mas aparece bem, de volta ao papel de Mathias, uma das peças cruciais no verdadeiro jogo de xadrez que é este filme. Ramiro possui duas cenas em especial, mostrando que Mathias está longe de ser aquele rapaz idealista do começo do primeiro filme.
Outro egresso da fita original, Milhem Cortaz diverte e enoja, como o covarde e corrupto Coronel Fábio. Falando em figuras detestáveis e cômicas, André Mattos dá um show como um demagogo apresentador de programa policial sensacionalista que se torna um político hipócrita. Sandro Rocha, que na primeira produção teve um papel pequeno, aqui retorna como o Policial Rocha, grande antagonista de Nascimento e líder das milícias, nova facção criminosa que se apresenta. Perigoso, corrupto e sanguinário, Rocha é um necessário vilão “clássico” que aparece em um longa onde o próprio sistema é o inimigo.
Tecnicamente, o filme é perfeito, com Padilha trabalhando com a mesma equipe do original. Montado de modo que se torna impossível tirar os olhos da tela um momento sequer, “Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro” hipnotiza por seu ritmo empolgante e pelo trabalho fenomenal de câmera realizado em suas cenas de ação, que remete às produções como “Zona Verde” (aliás, repare na “Operação Iraque” que acontece em dado momento do filme).
A evolução mostrada nos temas e na técnica do primeiro filme para este não desmerece de modo nenhum o longa original, que ganha mais força ainda, com o crescimento pessoal de Nascimento na sequência. Mais do que uma sucessão de tiros e frases de efeito, “Tropa de Elite 2” é uma obra densa e destemida, que não se furta em expor os problemas de uma sociedade doente e de um sistema político moribundo.
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