Um dilema típico do cinema brasileiro, o de fazer entretenimento para a massa ou cumprir as famigeradas contrapartidas sociais com temáticas "importantes", resulta às vezes em esquizofrenias como 400 Contra 1.
A trama se passa entre 1971 e 1980, respectivamente, os anos em que o futuro CV começou a se organizar no presídio da Ilha Grande, no Rio de Janeiro, e em que realizou os assaltos a banco que tornaram a facção conhecida no noticiário. Silva Lima, o Professor, interpretado por Daniel de Oliveira, é quem articula as bases do que o CV transformaria em lema: Paz (não trazer diferenças da rua para a prisão), Justiça (olho por olho, dente por dente) e Liberdade (a fuga como objetivo principal).
O filme aproveita um período fundamental da história criminal do país - os anos em que os futuros CVs dividem espaço com presos políticos na Ilha Grande durante da ditadura - para antepor a "ética" dos presos comuns à falta de escrúpulos da repressão. Se filmes como Quase Dois Irmãos recorrem ao episódio para fazer uma reflexão sobre a sociedade brasileira, 400 Contra 1 se contenta em um usá-lo para heroificar o CV.
Até aí, nada de anormal. Dos gângsteres da Era da Lei Seca aos Zé Pequenos recentes, o cinema sempre se especializou em glamourizar o vilão. A confusão que 400 Contra 1 faz - a partir daquele desejo de prestar contrapartidas com todo mundo - é misturar a catarse do crime com o discurso político.
Mal comparando, é como se os Onze Homens de George Clooney gozassem da riqueza usurpada de Las Vegas em protesto contra o capitalismo.
A trilha sonora de 400 Contra 1 organizada por Max de Castro está cheia de hinos suingados da black music nacional, para exaltar a autoestima do negro. Os figurinos enchem os personagens de ternos bem cortados e óculos escuros para tornar o assalto uma coisa mais estilosa. A montagem exagera nos letreiros didáticos e nas elipses temporais para acelerar a ação, como se o lema do CV, na verdade, fosse o rebelde "viva rápido e morra jovem".
Existe, enfim, todo um aparelho com a intenção de transformar os pés-de-chinelo da Ilha Grande em mártires nível Tony Montana, o CV numa gangue malandra de uma espécie de West Side Story carioca, que entre uma discussão engajada e outra aproveita para dar uns beijos na mulher do carcereiro e metralhar o retrato de Figueiredo.
Aliás, a cena em que Professor dá mais uma lição programática aos outros detentos, inserida no meio de outra cena (em que ele transa com a loira), exemplifica muito bem o verdadeiro discurso de 400 Contra 1: as conquistas ditas coletivas dos bandidos são, no fundo, vitórias pessoais (ou a cena não terminaria com o gozo do herói), e o que é vendido como filosofia na verdade é só vaidade.
Lamentável!
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